sexta-feira, 31 de julho de 2009

HOJE NAVEGO EU - Deserção

Deserção a bordo da Fragata Pacheco Pereira
Atracados no cais da Beira e prontos a largar amarras para nova missão de patrulhamento ao largo, deu-se por falta de um oficial da guarnição, tivemos de esperar algum tempo. Como não aparecia partimos para o mar.
Raros foram os elementos da guarnição a constarem a falta da presença do oficial, tudo se passava normalmente a bordo, fiscalização ao largo da Beira e assim se passou alguns dias de trabalho.
Numa dessas noites estava eu de sinaleiro de quarto entre a meia-noite e as quatro da manhã, sou chamado pelo telegrafista de serviço que havia uma mensagem urgente para decifrar.
Preparo a máquina de cifra, pego na mensagem codificada em grupos de cinco caracteres e começo o meu trabalho, mal iniciei o trabalho aparece-me a palavra SECRETO. Como não tinha autorização para continuar vou ter com o oficial de quarto 2º Tenente Monteiro Serra (meu chefe de comunicações por delegação em virtude do 2º Tenente Botelho Leal ter sido destacado para o Niassa), que manda chamar o Sargento Sinaleiro Loução e o Oficial Imediato Castro Guize, a fim de dar continuidade à decifração.
O sargento tratou de dar continuidade à mensagem mandando-me sair da sala de cifra, pois eu não poderia participar naquele acto, quando acabou tratou de transcrevê-la na máquina de escrever para ser dada ao Sr. Comandante, tudo no maior segredo dos deuses.
Como durante estes quartos o serviço era menor, ora passava as horas na ponte a contemplar o mar e as luzes da costa ou identificando os navios por morse luminoso ou por vezes na cabine dos telegrafistas a tentar mandar mensagens para a Rádio Naval de Algés, coisa que a maior parte das vezes saía burrice pois faltava-me a destreza na manipulação da chave e os telegrafistas do outro lado desconfiavam e pediam-me as repetições das palavras, não fosse o meu colega telegrafista Caeiro a consentir e a aparar estes casos, gostava de saber mais, e por vezes a impertinência falava-me mais alto.
Foi nesta noite que fiquei a conhecer a deserção do oficial 2º Tenente Administração Naval, Sr. Rego de Almeida, Chefe dos Serviços Administrativos a bordo da Fragata Pacheco Pereira. Por descuido do sargento e ratice minha, tive acesso a documentação que poderia prejudicar alguém, mas também me mantive calado durante estes quarenta anos e só há pouco tempo desabafei com alguém pela primeira vez sobre o sucedido e como a forma que fiz.
O texto da mensagem descrevia que o oficial tinha embarcado em Salisbury - Rodésia num voo que se destinava a Paris, e que em Luanda embarcou um elemento da PIDE seguindo todo o trajecto até ao seu destino.
A técnica que utilizei é bastante simples, papel químico e espelho, nada mais.

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